O Mercado de Capitais é a causa e o efeito da prosperidade de uma nação. Para explicar em linhas gerais o Mercado de Capitais, temos que abordar 4 pilares deste que é um dos mais importantes fenômenos do capitalismo: (a) o financiamento da atividade econômica; (b) a sociedade anônima aberta; (c) a bolsa de valores (mercado secundário) e (d) a regulação do Mercado de Capitais. Após tratarmos destes 4 pilares, faremos algumas considerações sobre o acesso pelas empresas ao Mercado de Capitais.
Financiamento da Atividade Econômica
Toda atividade econômica precisa ser financiada para acontecer. Há, basicamente, 3 formas de se financiar um negócio: (i) capital próprio; (ii) dívida (ou capital de terceiros) ou (iii) a receita gerada pelo próprio negócio (que é objeto de estudos das finanças corporativas).
O capital próprio é representado por ações ou quotas. Além do aumento do valor das ações em si (ganho de capital), as ações são remuneradas através de dividendos (participação no lucro líquido da empresa), ao passo que a dívida (capital de terceiros) é remunerada através de juros (fixos ou flutuantes).
Ainda que o próprio acionista empreste recursos para a empresa, sob o ponto-de-vista financeiro, esta dívida continua a ser considerada como capital de terceiros. Como a remuneração das ações depende de algo incerto (o lucro líquido gerado pela empresa), entende-se que o investimento em ações é de renda variável, ao passo que o investimento em dívida é considerado de renda fixa (ainda que os juros sejam flutuantes).
Como o investimento em renda variável é mais arriscado porque não há uma remuneração pré-fixada para ele, entende-se que sua remuneração deverá ser maior do que a do investimento de renda fixa porque “quanto maior o risco, maior deverá ser o retorno”. Outra distinção importante é que o investimento em capital próprio não tem prazo determinado e, portanto, é considerado de longo prazo, ao passo que o investimento em dívida tem prazo determinado e, portanto, considerado de curto ou médio prazo.
Apesar de a despesa financeira (juros) reduzir o custo do capital de terceiros por conta da redução da carga tributária no lucro real, o fato de o acionista (capital próprio) participar do risco do negócio e normalmente representar um investimento de longo prazo faz do capital próprio um capital mais barato para a empresa, em especial em momentos em que as taxas de juros estão mais altas.
Entretanto, quando a taxa básica de juros (ou a taxa livre de risco) está mais alta, o valor das empresas em si cai porque a taxa de desconto a ser utilizada para trazer os fluxos de caixa gerados por uma empresa a valor presente também aumenta. Esta taxa de desconto corresponde normalmente ao custo de capital da empresa (a qual considera tanto o custo do capital próprio como o custo do capital de terceiros e sua volatilidade em relação ao mercado como um todo (o ß (beta)).
Toda esta explicação é feita para evidenciar os 2 problemas que o Mercado de Capitais tenta em parte resolver: (a) acesso a capital e (b) diminuição do custo de capital pelas empresas.
A Sociedade Anônima Aberta
O instrumento jurídico que viabilizou que grandes quantidades de capital próprio pudessem ser reunidas para um fim empresarial comum foi a sociedade anônima. A primeira sociedade anônima surgiu em 1611 (a Companhia das Índias Orientais). O fato de a sociedade anônima ser uma sociedade de capitais, ou seja, a identidade do acionista ser totalmente irrelevante (daí o nome de “anônima”) e de seu capital ser dividido em ações (pequenas frações de seu patrimônio), permitiram a livre circulação das ações e, assim, da circulação da propriedade sobre a empresa.
Naquela época da idade média, já se conhecia os títulos de crédito. Entretanto, a ação já nasce como um título de participação, ou seja, além de representar uma parte do patrimônio da empresa, a ação torna seu titular num participante do risco da atividade empresarial desempenhada pela empresa, a empresa/sociedade emissora da ação.
A Bolsa de Valores
Entretanto, não bastava haver sociedades anônimas emissoras de ações ou de valores mobiliários. Era necessário que surgisse um mercado, ou seja, um lugar onde pessoas que conheciam as sociedades anônimas emissoras e seus negócios pudessem trocar informações e, através da lei da oferta e procura, pudessem precificar e negociar tais ações. Este ambiente de negociação pública foi chamado de bolsa de valores, sendo a primeira bolsa de valores a Bolsa de Valores de Amsterdam, a qual também surgiu em 1611.
Estes comerciantes especializados em sociedades anônimas e seus negócios são os corretores de valores mobiliários, cujos clientes são as pessoas interessadas em investir neste novo tipo de ativo financeiro, as ações de emissão de companhias ou sociedades anônimas. Como as ações de emissão destas companhias eram negociadas em bolsa de valores ou no mercado de balcão organizado, estas companhias são abertas (public companies), ao passo que as companhias cujas ações não são negociadas no mercado são chamadas de companhias fechadas (“closely-held companies”).
É importante enfatizar que a bolsa de valores surgiu espontaneamente através da iniciativa e necessidade destes primeiros corretores de valores mobiliários. As bolsas começaram como clubes, ou seja, sociedades sem fins lucrativos, porque basicamente seus custos eram o aluguel e manutenção do local onde as operações eram realizadas.
Em 1773, surgiu a Bolsa de Londres. A primeira bolsa de valores dos Estados Unidos foi a Board of Brokers de Philadelphia (posteriormente chamada de Philadelphia Stock Exchange) em 1790. A New York Stock Exchange (a NYSE) foi fundada por 24 corretores em 1792, através do Buttonwood Agreement, uma referência à arvore ao redor da qual os corretores se reuniam no sul da ilha de Manhattan (antiga “New Amsterdam”).
No Brasil, a primeira bolsa de valores foi a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a qual foi criada em 1851. Hoje a única bolsa de valores no Brasil é a B³, a qual é resultado da fusão entre a Bovespa e a BM&F ocorrida em 2008. Se não houvesse as sociedades anônimas (ou seja, os emissores de ações) e as bolsas de valores, que davam liquidez à negociação dessas ações, provavelmente a Revolução Industrial não teria conseguido ter sido financiada de forma tão eficiente e portanto teria ocorrido de forma bem mais lenta e com um alcance bem menor.
A par deste aspecto histórico, dois aspectos fundamentais das bolsas de valores são: (1) a interdependência entre dois tipos de mercado: o mercado primário e o mercado secundário e (2) a garantia de liquidez das operações. O mercado primário é o mercado de subscrição, ou seja, a companhia emite as ações e pessoas as subscrevem.
Estes são os primeiros adquirentes das ações, daí o nome mercado primário. Como a intenção não é somente permanecer recebendo dividendos, mas, sim, auferir ganhos quanto ao valor da ação em si, estes primeiros adquirentes precisam do mercado secundário, ou seja, um lugar onde eles irão vender e eventualmente comprar outras ações.
Logo, para que haja estímulo a novas emissões por parte das companhias, é fundamental que haja um mercado secundário, ou seja, um mercado para revenda e compra de ações de subscritores originários ou não. Hoje em dia há os underwriters, os quais são intermediários entre os emissores e os subscritores. Os underwriters fazem as colocações ou distribuições de ações para venda no mercado primário. Isto ajuda a diminuir o risco para as companhias emissoras, principalmente no caso do underwriting firme em oposição ao underwriting sob a modalidade de melhores esforços.
De qualquer forma, sem um mercado secundário, ou seja, um mercado para revenda de ações, não seria viável o mercado de emissões de ações, ou seja, o mercado primário. Com o tempo, as emissões também passaram a ser públicas, de onde surgiu o termo “Initial Public Offering” (ou “IPO”). Portanto, a bolsa de valores desempenha um papel fundamental tanto no mercado secundário (revenda de ações) como no mercado primário (emissão/subscrição pública de ações) porque é um mercado secundário robusto e líquido que estimula novas emissões primárias/subscrições. Estes mercados (primário e secundário) de ações (“equities”) são chamados englobadamente de “Mercado de Capitais” ou “Equities Market”.
Além da negociação em si, outros dois papéis que muitas bolsas de valores desempenham, como é o caso da B³ brasileira, é o de compensação e liquidação das operações. Quando uma pessoa dá uma ordem (de compra ou de venda) através de um corretor, a contraparte é a própria bolsa de valores. Ao intermediar a operação, a bolsa de valores assegura algo fundamental: que quem comprou receberá o ativo adquirido e que quem vendeu receberá o valor pago.
Isto é absolutamente fundamental para a confiança nos mercados. Da mesma forma, as bolsas de valores possuem regulamentos de listagem, que muitas vezes são mais rígidos e complementam as normas estabelecidas pelos órgãos reguladores. Isto faz com que as companhias emissoras sejam submetidas a credenciamento rígido antes de terem seus valores mobiliários submetidos à negociação em bolsa de valores e a uma supervisão por parte da própria bolsa de valores (além da supervisão realizada também pelo próprio órgão regulador). Portanto, além do registro perante o órgão regulador (no caso do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (a “CVM”)), a companhia emissora deve também ser listada ou registrada perante a própria bolsa de valores ou, alternativamente, num mercado de balcão organizado.
Apesar de as ações serem os valores mobiliários com maior circulação no mercado, a categoria “valores mobiliários” abrange debêntures (que são títulos de dívida e não de participação), bônus de subscrição, cotas de fundos de investimento (cotas de FII’s, ETF’s e outros), certificados de depósitos de ações (“BDR’s” por exemplo), derivativos (“contratos de opção de compra de ações”, por exemplo), contratos de investimento coletivo e outros previstos no art. 2º da Lei nº 6.385/76. Todos esses ativos financeiros fazem parte do Mercado de Capitais.
Regulação do Mercado de Capitais
Após a crise de 1929, tornou-se evidente que o Mercado de Capitais era um importante mecanismo de atração da poupança das famílias, de modo que havia e há um interesse público na higidez e bom funcionamento do Mercado de Capitais. Antes o Mercado de Capitais nos Estados Unidos era regulado em âmbito estadual de forma bastante ineficiente. Muitas dessas legislações eram chamadas de “Blue Sky Laws” por justamente não conseguir proteger adequadamente o público investidor.
A nova legislação federal emitida com base na Commerce Clause (cláusula 3 da Seção 8 do Artigo I da Constituição dos Estados Unidos) foi calcada precipuamente na divulgação da informação como requisito para uma tomada de decisão informada pelo investidor e não sobre o juízo de valor sobre o mérito de um investimento em si, o que é extremamente subjetivo.
Com esta base conceitual em mente, surgiram o Securities Act de 1933 e o Securities Exchange Act de 1934, o qual criou a Securities and Exchange Commission (a “SEC”). No Brasil, a regulação do Mercado de Capitais começou a ser feita pelo Conselho Monetário Nacional e a fiscalização do Mercado de Capitais pelo Banco Central, ambas com o advento da Lei nº 4.728/65. Uma autarquia específica para regular e fiscalizar o Mercado de Capitais, a qual veio a se chamar Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), surgiu com o advento da Lei nº 4.385/76.
É importante frisar que o Brasil aprovou na mesma época tanto uma nova lei sobre sociedades anônimas (a Lei nº 6.404/76) como a primeira Lei de Mercado de Capitais (a Lei nº 6.385/76), ambas da lavra dos juristas José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho. Isto comprova como os dois temas (sociedade anônima e mercado de capitais) estão muito relacionados e interdependentes. Ambos diplomas legais, os quais vigem até hoje com pequenas e pontuais modificações, são um testemunho da genialidade desses dois grandes juristas brasileiros.
Os dois principais objetivos da regulação é proteger os investidores, muitos deles pessoas físicas, e supervisionar os agentes deste mercado. Como um Mercado de Capitais pujante é fundamental para o financiamento das empresas e, portanto, gerador de prosperidade para todo o País, há um interesse público na manutenção de um Mercado de Capitais dinâmico e crescente. Infelizmente, não há espaço neste Blog para abordarmos todas as medidas de proteção e que procuram salvaguardar a higidez do Mercado de Capitais brasileiro. Assim, entre tais normas, destacamos as seguintes:
No que tange aos emissores de valores mobiliários, eles devem ser registrados na CVM. Além das demonstrações financeiras (Informações Financeiras Padronizadas (“DFP”) e o Formulário de Informações Trimestrais (“ITR”), os emissores enviam um Formulário de Referência que contempla a mais ampla gama de informações sobre a empresa e as principais políticas da empresa (política de negociação, política de divulgação de informações e política de gerenciamento de riscos e controles internos). Este tema é hoje regulado pela Resolução CVM nº 80/2022.
Salvo no caso de distribuições públicas sujeitas ao rito de registro automático (art. 26 da Resolução CVM nº 160/2022), as demais distribuições públicas de valores mobiliários devem ser registradas na CVM. O principal documento deste processo é o prospecto. A ideia é que o prospecto seja o único documento a que o público investidor precise ter acesso para decidir de forma informada se deve ou não subscrever (distribuição primária) ou comprar (distribuição secundária) um determinado valor mobiliário. Este tema é hoje regulado pela Resolução CVM nº 160/2022.
Salvo raríssimas exceções em que deverá haver um pedido específico de sigilo à CVM (art. 6º da Resolução CVM nº 44/2022), todo fato ou ato que possa influenciar a decisão de manter, vender ou comprar uma ação ou outro valor mobiliário deve ser divulgado imediatamente pela companhia ao mercado, através de um aviso de fato relevante. Hoje este tema encontra-se regulado pela Resolução CVM nº 44/2021.
A regulação das Ofertas Públicas de Aquisição (“OPA’s”), em especial a oferta pública para aquisição de controle de companhia aberta, prevista no art. 157 da Lei nº 6.404/76, a qual é regulada no art. 32 e seguintes da Instrução CVM nº361/2002. Apesar de ser uma oferta voluntária e, portanto, não sujeita a registro, tal oferta pública é regulada por conta de sua importância (a tomada de controle de forma hostil à administração da companhia-alvo, ou seja, o “hostile takeover”).
Acesso pelas Empresas ao Mercado de Capitais
O caminho para que uma companhia acesse o Mercado de Capitais não é simples principalmente porque apenas companhias com um faturamento expressivo conseguem (a) obter o registro como companhia aberta, (b) obter listagem numa bolsa de valores e (c) realizar emissões ou distribuições públicas de ações ou outros valores mobiliários.
Antes de chegar num nível que seja possível fazer tudo isso, muitas empresas promissoras recorrem ao apoio de fundos de venture capital (em atividades de maior risco) e fundos de private equity (em negócios mais estáveis). No Brasil, estes fundos são englobados na categoria genérica de Fundos de Investimento em Participações (“FIP’s), os quais são regidos pela Instrução CVM nº 578/2016 e pelas regras gerais sobre fundos de investimento previstas na Instrução CVM nº 555/2014.
Como o horizonte de investimento dos FIP’s é em geral de 7 anos, a ideia é aportar capital nessas empresas promissoras, de modo que quando elas consigam se tornar companhias abertas (no jargão do mercado, “abrirem seu capital”), tais empresas façam uma distribuição secundária (ou seja, venda das ações detidas pelo FIP), de modo que o FIP consiga monetizar sua participação societária na empresa promissora que agora chega ao Mercado de Capitais.
O Brasil tem hoje pouco mais de 400 companhias listadas na B³. Somente na NYSE, existem 2.400 empresas listadas, o que evidencia que o Brasil ainda tem um grande potencial para fortalecer seu Mercado de Capitais. É importante frisar que as companhias abertas geram muitos negócios para as companhias fechadas e as inúmeras sociedades limitadas existentes no Brasil.
Portanto, quanto maior e mais dinâmico o Mercado de Capitais brasileiro, maior será a prosperidade das demais empresas, ainda que seus valores mobiliários não façam parte do Mercado de Capitais. Retornando ao início deste artigo, o papel principal do Mercado de Capitais é permitir o financiamento, ou seja, que as empresas tenham acesso a capital de custo mais baixo e de longo prazo, propiciando, assim, crescimento econômico e prosperidade para todos.
Laercio Pellegrino
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