Principais Características de uma Sociedade Anônima

A sociedade anônima ou companhia (a “S.A.”) é a sociedade empresária e de capital por excelência (art. 982 do Código Civil c/c o art. 2º da Lei nº 6.404/76).  Enquanto a sociedade limitada pode ser considerada tanto como uma sociedade de pessoas, ou seja, uma sociedade em que a identidade do sócio é fundamental, assim como uma sociedade de capital, ou seja, uma sociedade na qual a identidade do sócio é irrelevante, a sociedade anônima será sempre de capital.  O nome “anônima” reforça esta característica da ausência da importância da identidade do sócio deste tipo societário. 

Por ser a sociedade de capital por excelência, a sociedade anônima é o tipo societário mais adequado para a captação de recursos no mercado.  Assim, podemos dividir as S.A.’s entre as S.A’s fechadas, ou seja, aquelas cujos valores mobiliários não são admitidos à negociação em mercado de valores mobiliários e as S.A.’s abertas, ou seja, aquelas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (a “CVM”) e listadas em pelo menos um mercado de valores mobiliários (art. 4º da Lei nº 6.404/76).   O registro na CVM é regido hoje pela Resolução CVM nº 80, de 29/03/22.  Neste breve ensaio, abordaremos as principais características de governança, econômicas, tributárias e de estrutura associativa (joint ventures) peculiares à S.A., sem adentrarmos nas questões específicas de uma companhia aberta.   

A principal característica da S.A. é a limitação de responsabilidade ao preço das ações subscritas (art. 1º da Lei nº 6.404/76).  A subscrição se dá através da assinatura de um boletim de subscrição, mediante o qual uma pessoa torna-se acionista da companhia, e uma vez integralizado (ou seja, pago) o valor constante do boletim de subscrição, o acionista não tem mais qualquer responsabilidade patrimonial adicional.  Entretanto, em tese, nada impede que haja a desconsideração da personalidade jurídica de uma S.A..  Contudo, isto é extremamente raro na prática.

No que tange aos valores mobiliários ou títulos que a S.A. pode emitir, temos as ações, as quais podem ser de duas espécies: ordinárias e preferenciais.  Legalmente, as ações preferenciais também são votantes.  Entretanto, na prática, as ações preferenciais são emitidas normalmente como ações sem direito de voto ou com voto restrito em troca de determinadas vantagens como, por exemplo, um dividendo mínimo, um dividendo fixo ou preferência no reembolso do capital no caso de dissolução da companhia (art. 17 da Lei nº 6.404/76).   Além de ações ordinárias e preferenciais, as S.A.’s podem emitir também (i) outros títulos de participação como bônus de subscrição, partes beneficiárias e units e (ii) títulos de dívida, sendo o mais usual deles a debênture.  As sociedades limitadas podem emitir apenas quotas, as quais correspondem às ações votantes e as notas comerciais, as quais são um título de dívida.

Outra característica da S.A. é que suas regras fundamentais e a nomeação de seus administradores ficam em documentos distintos.  O estatuto contém todas as regras acerca dos órgãos que a compõe (Assembleia Geral, Conselho de Administração e Diretoria).  O Conselho de Administração é obrigatório apenas nas companhias abertas e nas companhias com capital autorizado, ou seja, companhias em que há uma autorização para que o capital social seja aumentado sem que haja uma Assembleia Geral Extraordinária.  Assim, na maioria das S.A.’s fechadas, há, apenas, a Assembleia Geral e uma Diretoria. Tanto os membros do Conselho de Administração como da Diretoria são nomeados em ato apartado ao estatuto e sempre por prazo determinado (art. 140, III e 143, III, respectivamente, da Lei nº 6.404/76), o que constitui outra diferença em relação à sociedade limitada, cujos administradores poderão ser eleitos por prazo indeterminado.  Caso não haja Conselho de Administração, os Diretores são eleitos na ata de constituição e nas Assembleias Gerais.  Caso haja Conselho de Administração, a Assembleia Geral elege os membros do Conselho de Administração e o Conselho de Administração elege os membros da Diretoria.  Estas eleições são formalizadas através de atas, as quais também são levadas a registro na Junta Comercial e publicadas.

No aspecto essencialmente econômico, a S.A. é obrigada a destinar para uma reserva legal 5% (cinco por cento) do lucro líquido anual até o limite de 20% (vinte por cento) do capital social (art. 193 da Lei nº 6.404/76), o que reduz a capacidade de a S.A. distribuir dividendos.  Outro aspecto econômico importantíssimo é que as companhias, ao emitirem ações, podem alocar o preço de emissão entre “capital social” e “reserva de ágio”.  Este “ágio na subscrição” não é tributável para a companhia (art. 520, I, do Decreto nº 9.580/18).  Como o ágio na subscrição é tributável para as demais sociedades, na prática a S.A. é a única que fixa o preço de suas ações com ágio.  Assim, através da emissão de ações com ágio (na subscrição), consegue-se igualar ou fixar a participação no capital social independentemente do valor integral efetivamente aportado pelos acionistas.

Como a S.A. é uma sociedade de capital por excelência, não há uma obrigação automática de não-competição dos sócios em relação à sociedade. Da mesma forma, na S.A., a regra é a livre circulação das ações e demais valores mobiliários.  Portanto, se os acionistas desejam impedir a competição e limitar a circulação das ações, é fundamental que cláusulas de não-competição, direito de preferência na aquisição ou de direito de primeira oferta sejam contratadas através de um acordo de acionistas. 

Mudanças recentes na legislação permitem que haja apenas um diretor (e não mais dois diretores) (art. 143 da Lei nº 6.404/76, com a redação dada pela Lei Complementar nº 182/21 e Portaria ME nº 12.071, de 07/10/21).  Além disso, a obrigação de publicar demonstrações financeiras em jornal de grande circulação passou a ser apenas das S.A.’s que tenham um faturamento anual superior a R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) (art. 294 da Lei nº 6.404/76 com a redação dada pela Lei Complementar nº 182/21).  Estas modificações baixaram os custos de manutenção da S.A., fazendo-a mais competitiva com a sociedade limitada.  Outra grande modificação foi a permissão de Diretores não-residentes no Brasil (art. 146 § 2º da Lei nº 6.404/76 com a redação dada pela Lei nº 14.195/21).  Até então apenas membros do Conselho de Administração poderiam ser residentes ou domiciliados no exterior.

No tocante ao investidor estrangeiro, a limitada ainda é mais vantajosa, na medida que um investidor estrangeiro não pode constituir uma S.A. sendo o seu único acionista (art. 251 da Lei nº 6.404/76).  Caso, após a constituição, a S.A. fique com apenas um acionista estrangeiro, tal acionista estrangeiro deverá recompor a pluralidade de acionistas sob pena de extinção de pleno direito da S.A. (art. 206, I, “d” da Lei nº 6.404/76).  A sociedade limitada permite que apenas um quotista estrangeiro a constitua.  No caso específico dos investidores domiciliados nos Estados Unidos da América, a sociedade limitada brasileira permite um tratamento tributário mais vantajoso pelo sistema de “check the box”.  Uma S.A. controlada por um contribuinte americano será considerada uma “Controlled Foreign Corporation” (“CFC”), o que gera um tratamento fiscal menos favorável nos Estados Unidos da América.

Estas seriam as características principais de uma S.A.  No Direito Societário, não há soluções “pré-fabricadas”.  O trabalho do advogado assemelha-se ao do alfaiate, o qual tem sempre que adaptar os tipos societários à situação específica do cliente, levando em conta sempre os impactos tributários das opções disponíveis.  Portanto, é fundamental que um advogado especialista em matéria societária seja consultado antes da escolha do tipo de sociedade que dará vida a uma empresa.

Laercio Pellegrino
laercio.pellegrino@tagdlaw.com

OUTROS
artigos