O PERSE, as Soluções de Consulta COSIT nºs 51 e 52 e recentes manifestações do Poder Judiciário

A Coordenação-Geral de Tributação (“Cosit”) da Receita Federal do Brasil (“RFB”) publicou duas soluções de consulta, em 6 de março, explicitando o entendimento do órgão sobre o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (“Perse”), especialmente no que se refere ao benefício de alíquota zero, pelo prazo de 60 (sessenta) meses, de IRPJ, CSL, PIS e COFINS previsto no artigo 4º da Lei nº 14.148/2021.

O Perse é um programa criado para auxiliar o setor de eventos na recuperação econômica, fortemente afetada pela pandemia de COVID-19, como benefícios fiscais e a possibilidade de transação tributária para empresas do segmento, bem como uma indenização aos contribuintes que tiveram redução superior a 50% (cinquenta por cento) no faturamento entre 2019 e 2020.

A redação da Lei nº 14.148/2021 – já alterada pela Medida Provisória nº 1.147/2022 – gerou diversos questionamentos sobre a extensão dos benefícios do programa. 

Muito embora a RFB tenha editado a Instrução Normativa (“IN”) nº 2.114, de 31 de outubro de 2022, na qual manifesta o posicionamento do órgão sobre diversas questões relacionadas ao benefício de alíquota zero relativo ao Perse, os contribuintes antes já haviam apresentados diversos pedidos de consulta formal objetivando compreender o entendimento do fisco quanto ao tema.

As soluções de consulta publicadas, então, não revelam qualquer novidade, uma vez que a RFB reitera o posicionamento já consignado na IN RFB nº 2.114/2022.

Na Solução de Consulta nº 51, a RFB apreciou a questão temporal quanto à vigência da alíquota zero de IRPJ, CSL, PIS e COFINS, dispondo que a redução deve ser aplicada às receitas e resultados referentes aos meses de março de 2022 a fevereiro de 2027, justamente o quanto já previsto no artigo 7º da IN RFB nº 2.114/2022. Tratou, ainda, de procedimentos relacionados com a indicação do benefício nas respectivas obrigações fiscais acessórias.

Já a Solução de Consulta nº 52 é mais abrangente, tratando sobre diversos assuntos. Em síntese, a RFB consigna que:

  1. A alíquota zero é aplicada tão somente sobre as receitas e os resultados auferidos pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas em ato do Ministério da Economia – Portaria ME nº 11.266/022, devendo o contribuinte, portanto, realizar a segregação das receitas/resultados sobre atividades não desoneradas;

  2. A prestação de serviços de suporte não previstos na Portaria ME para beneficiários do PERSE, relacionados com atividades desoneradas exercidas pelo terceiro – tais como, limpeza e conservação e terceirização de mão-de-obra –, não gera, por si só, direito à fruição do referido benefício fiscal;

  3. O benefício de alíquota zero não se aplica às empresas optantes pelo Simples Nacional; entretanto, estas empresas podem fruir da alíquota zero caso sejam desenquadradas (a requerimento ou de ofício) do regime simplificado;

  4. Não é necessário que o contribuinte realize a renegociação de dívidas (transação tributária) para fazer jus à alíquota zero;

  5. Os prestadores de serviços que beneficiários da redução de alíquotas a zero devem informar essa condição na nota ou documento fiscal que emitirem, inclusive o enquadramento legal, sob pena de, se não o fizessem, sujeitarem-se à retenção do IR e das contribuições sobre o valor total da referida nota ou documento fiscal; a partir da MP nº 1.147/2022, há previsão específica de dispensa de retenção de IRPJ, CSL, PIS e COFINS, quando o pagamento se referir a receitas desoneradas.

Conforme anteriormente colocado, o posicionamento da RFB nas Soluções de Consulta nº 51 e 52 é convergente com o quanto já manifestado pelo órgão na IN RFB nº 2.114/2022. Entretanto, é possível sustentar que o entendimento não se harmoniza com o benefício fiscal tal como previsto na Lei nº 14.148/2021, especialmente em sua redação originária (anterior à MP nº 1.147/2022) que, por exemplo, não estabelecia qualquer limitação para aplicação da alíquota zero em função da origem das receitas das empresas do setor de eventos.

Este e outros questionamentos já chegaram ao Poder Judiciário. Recentemente, duas importantes decisões foram proferidas por Desembargadores do Tribunal Regional Federal da Terceira Região a favor dos contribuintes.

Nos casos em questão, os contribuintes discutem os termos da Portaria ME nº 11.266/2022, publicada em 2 de janeiro de 2023. Os CNAEs das empresas, que estavam listados pela Portaria ME nº 7.163/2021 (que definia os CNAEs que se consideram setor de eventos) para fins de enquadramento no benefício de alíquota zero, ficaram de fora do novo ato normativo – segundo o art. 4º, §5º da Lei nº 14.148/2021, na redação dada pela MP nº 1.147/2022¹, a Portaria ME nº 11.266/2022 passou a ser a norma que veicula a lista das atividades inseridas no setor de eventos. 

Segundo o Desembargador Marcelo Saraiva², esta situação contraria o artigo 178 do Código Tributário Nacional (“CTN”)³ e princípios como a segurança jurídica e proteção da legítima confiança, entre outros:

“A exclusão de CNAE’s do benefício do PERSE, que foi inicialmente previstos pela Portaria nº 7.163/21, por parte da Portaria nº 11.266/22, rompeu com a expectativa normativa criada pelo próprio Poder Público, além de afrontar o art. 178 do CTN, contraria, em tese, a segurança jurídica, a boa-fé do contribuinte, a lealdade da Administração Pública, a proteção da confiança legítima e o direito adquirido da Agravante, princípios decorrentes de previsões constitucionais explícitas e implícitas no ordenamento pátrio, que são amplamente defendidos pela jurisprudência. 

Em suma, o requisito do fumus boni iuris é evidente no caso em tela; já o periculum in mora, decorre do fato de que, sem a possibilidade de aproveitar do benefício fiscal instituído pelo PERSE, a Agravante enfrentará, ao que parece, uma série de prejuízos econômicos, o que impactará em suas atividades e em sua competitividade, haja vista a concessão do benefício para empresas do mesmo setor. 

Diante de todo o exposto, nos termos do artigo 1.019, inciso I, do CPC, concedo a ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA RECURSAL para que se suspendam os efeitos da r. decisão agravada, de modo que seja determinada a suspensão da exigibilidade do PIS, da COFINS, do IRPJ e da CSLL no que se refere à fruição do benefício fiscal de alíquota zero instituído pelo artigo 4º da Lei nº 14.148 PERSE para os CNAEs nºs 56.20-1-01; 77.39-0-99; 55.90-6-03; 81.11-7-00 e 43.30-4-02 – previstos no Anexo I da Portaria nº 7.163/21 – até 17.3.2027, nos termos do artigo 151, inciso IV, do CTN, afastando-se a Portaria nº 11.266/22, a partir do fato gerador de janeiro de 2023.”

A Desembargadora Monica Nobre4 também concluiu no mesmo sentido:

“O E. Supremo Tribunal Federal, de forma reiterada, reconhece que a medida provisória é instrumento idôneo para instituir ou majorar tributos, tendo em vista que a Constituição Federal, ao prevê-la como ato normativo primário, antes do advento da Emenda Constitucional nº 32 de 2001, não impôs qualquer restrição em relação à matéria (RE 146.733/SP, RE 138.284/CE e RE 181.664/RS).

Ocorre que, referida Medida Provisória está revogando uma isenção concedida por prazo certo e sob determinadas condições. Logo, aplicável o disposto no artigo 178 do Código Tributário Nacional:

Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.

Nesse sentido, convém destacar trecho da recente decisão proferida em 17/02/2023, no processo nº 5002656-14.2023.4.03.0000, pelo E. Desembargador Federal Marcelo Saraiva:

“A exclusão de CNAE’s do benefício do PERSE, que foi inicialmente previstos pela Portaria nº 7.163/21, por parte da Portaria nº 11.266/22, rompeu com a expectativa normativa criada pelo próprio Poder Público, além de afrontar o art. 178 do CTN, contraria, em tese, a segurança jurídica, a boa-fé do contribuinte, a lealdade da Administração Pública, a proteção da confiança legítima e o direito adquirido da Agravante, princípios decorrentes de previsões constitucionais explícitas e implícitas no ordenamento pátrio, que são amplamente defendidos pela jurisprudência. “

Dessa maneira, a r. decisão agravada deverá ser reformada.

Demonstrado o fumus boni iuris, verifico a presença do periculum in mora, já que, sem a decisão judicial pretendida, a agravante sofre o risco de cobrança indevida, inclusive com inscrição de valores em dívida ativa.

Ante o exposto, defiro a antecipação da tutela recursal, nos termos da fundamentação.”

Portanto, inobstante a posição externada pela RFB nas recentes soluções de consulta, as discussões relacionadas à extensão dos benefícios do PERSE tendem a se alongar no Poder Judiciário, especialmente no que se refere à alíquota zero de IRPJ, CSL, PIS e COFINS, sendo oportuno a avaliação, pelos contribuintes, sobre o efetivo enquadramento no programa ou, ainda, a conveniência do intento de medida judicial para o resguardo da desoneração, evitando-se questionamentos da RFB neste particular.

A equipe da área tributária do TAGD Advogados está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas – tributario@tagdlaw.com.br.

Este informativo tributário destina-se exclusivamente a propor o debate dos assuntos que são aqui tratados, não devendo ser considerado como aconselhamento jurídico formal.

Colaborou com a elaboração deste texto Thiago Sarraf.

¹ “Artigo 4º (…)

§ 5º Ato da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia disciplinará o disposto neste artigo.”

² Agravo de Instrumento nº 5002656-14.2023.4.03.0000, decisão datada de 17.2.2023.

³  “Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.”

4 Agravo de Instrumento nº 5003946-64.2023.4.03.0000, decisão datada de 2.3.2023.

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