Reforma Tributária e Impactos no Setor de Seguros

Maurício Terciotti

I Introdução 

A reforma tributária que está em curso tem diversas facetas, incluindo algumas de âmbito nacional e outras com alcance internacional. A reforma tributária aprovada até aqui traz grande modificação na tributação sobre o consumo no Brasil e procuraremos abordar neste e em textos futuros os impactos imediatos que já podem ser identificados. 

A reforma começou a ser concretizada com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023. A partir de 2026, cinco tributos serão unificados na Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), em âmbito federal, e no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em âmbito estadual. São eles o IPI, PIS e COFINS (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal).

Em 2027 também deverá entrar em vigor o imposto seletivo que incidirá uma única vez sobre a produção, extração, comercialização ou importação de produtos e serviços que possam ser prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.  Outro importante tributo para o setor é o IOF que, como será visto, embora não seja objeto da reforma tributária, sofreu uma importante alteração para o setor.

Pouco tem sido publicado sobre as disposições legais atinentes ao mercado de seguros, extremamente relevante para o Brasil. Apenas para se ter uma ideia, relatório da SUSEP (https://www.gov.br/susep/pt-br/arquivos/arquivos-dados-estatisticos/sinteses-mensais/2024/SinteseMensalOutubro2024.pdf) aponta, por exemplo, que o segmento de seguros obteve receitas de mais de R$ 400 bilhões em 2024 e que o setor retornou mais de R$ 200 bilhões à sociedade entre janeiro e outubro de 2024 por meio de indenizações, resgates, benefícios e sorteios.

A Diretora Jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), Glauce Carvalhal, durante o XII Fórum de Lisboa, em junho/2024, disse que o setor apoia a reforma tributária em vista da simplificação, transparência e estímulo à economia e destacou que “as empresas assumem os riscos do desenvolvimento de praticamente todas as atividades da vida em sociedade, representa 6,2 % do PIB, gerando mais de 500 mil empregos diretos e indiretos. É também um importante investidor institucional que financia cerca de 26,4% da dívida pública nacional” (https://cnseg.org.br/noticias/reforma-tributaria-pode-levar-ao-crescimento-do-mercado-de-seguros).  

Dessa forma, essencial esse artigo que demonstra os principais dispositivos legais da reforma tributária e seus impactos no setor de seguros.

II – Emenda Constitucional 132/2023

O Imposto sobre operações financeiras – IOF tem previsão constitucional no artigo 153, V, sendo de competência da União e incidindo sobre diversas operações de seguros na forma do Decreto 6.306/2007 e tem diferentes alíquotas para diferentes tipos de seguro. 

Entretanto, a Emenda Constitucional 132 modificou a competência da União para a instituição do IOF, excluindo sua incidência nas operações de seguro. De acordo com o artigo 3º da emenda, o IOF será aplicado apenas em operações de crédito, câmbio ou aquelas envolvendo títulos e valores mobiliários:

Art. 3º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: 

(…)

“Art.153. ……………………………………………………………………………………………..

……………………………………………………………………………………………………………………..

V – operações de crédito e câmbio ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

……………………………………………………………………………………………………………..” (NR)

Para que não paire dúvidas sobre a extinção do IOF para o setor de seguros, o artigo 7º, ao tratar da participação dos Estrados e Municípios, menciona que a perda de arrecadação do IOF sobre seguros deverá ser compensada pelo imposto seletivo passará a ser cobrado pela União Federal.

Com isso, a cobrança do IOF sobre as operações de seguro será extinta a partir de 2027, conforme estabelecido pelo artigo 23 da emenda aprovada. 

III – Reforma Tributária – Lei Complementar 214/2025

Dor tributos mencionados na introdução, o PIS, a COFINS e o ISS impactam o setor securitário. O setor não sofrerá a incidência do imposto seletivo, devendo focar suas atenções no IBS e na CBS.

A LCP 214/2025 tem um regime específico para serviços financeiros, dentre os quais inclui o mercado de seguros em seus artigos 181/191 (disposições gerais) e 223/228 (disposições específicas). A seguir, um panorama geral. 

Operações envolvidas:

As seguintes operações do ramo dos seguros são consideradas como serviços financeiros, sujeitas ao regime específico de incidência do IBS e da CBS (artigo 182, XI-XV):

  • operações de seguros, com exceção dos planos de assistência à saúde; 
  • operações de resseguros; 
  • previdência privada, composta de operações de administração e gestão da previdência complementar aberta e fechada;
  • operações de capitalização; 
  • intermediação de consórcios, seguros, resseguros, previdência complementar e capitalização. 

Do ponto de vista do mercado securitário, a sujeição ao regime específico previsto na LCP ocorre quando a pessoa jurídica ou física prestadora do serviço está sendo supervisionada por sociedades seguradoras, resseguradores, incluídos resseguradores locais, resseguradores admitidos e resseguradores eventuais, entidades abertas de previdência complementar e fechadas que não atendam aos requisitos para a imunidade tributária previstos no artigo 14 do Código Tributário Nacional; sociedades de capitalização; corretores de seguros, corretores de resseguros e demais intermediários de seguros, resseguros, previdência complementar e capitalização (artigo 183).

Base de Cálculo:

De forma geral, a base de cálculo do IBS e da CBS no regime específico será composta das receitas das operações e as deduções restringem-se a operações autorizadas por órgão governamental, desde que realizadas nos limites operacionais previstos na legislação pertinente, vedada a dedução de qualquer despesa administrativa (artigos 185 e 187).

Já as receitas de reversão de provisões e da recuperação de créditos baixados como prejuízo comporão a base de cálculo do IBS e da CBS, desde que a respectiva provisão ou baixa tenha sido deduzida da base de cálculo (artigo 186).

As especificidades da base de cálculo de cada operação, apontadas pela legislação, são:

Operações de seguros (com exceção dos planos de saúde) e resseguros
(Artigo 223):
Previdência complementar, aberta e fechada e seguro de pessoas com cobertura por sobrevivência(Artigo 224)Operações de capitalização



(Artigo 225)
as receitas dos serviços compreendem as seguintes, na medida do efetivo recebimento, pelo regime de caixa:a) aquelas auferidas com prêmios de seguros, de cosseguros aceitos, de resseguros e de retrocessão; e b) as receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas, na proporção das receitas acima nas operações que não geram créditos de IBS e de CBS para os adquirentes e o total das receitas acima observados critérios estabelecidos no regulamentoa) as contribuições para planos de previdência complementar; b) os prêmios de seguro de pessoas com cobertura de sobrevivência; e c) o encargo do fundo decorrente de estruturação, manutenção de planos de previdência e seguro de pessoas com cobertura por sobrevivênciaa) a arrecadação com os títulos de capitalização; e b) as receitas com prescrição e penalidades;
serão deduzidas:a)as despesas com indenizações referentes a seguros de ramos elementares e de pessoas sem cobertura por sobrevivência, exclusivamente quando forem referentes a segurados pessoas físicas e jurídicas que não forem contribuintes do IBS e da CBS sujeitas ao regime regular, correspondentes aos sinistros, efetivamente pagos,ocorridos em operações de seguro, depois de subtraídos os salvados e os demais ressarcimentos. O recebimento dessas indenizações não fica sujeito à incidência do IBS e da CBS e não dá direito a crédito de IBS e de CBS;b) os valores pagos referentes e restituições de prêmios que houverem sido computados como receitas, inclusive por cancelamento; e c) os valores pagos referentes aos serviços de intermediação de seguros e resseguros d) os valores pagos referentes ao prêmio das operações de cosseguro cedido; e) as parcelas dos prêmios destinadas à constituição de provisões ou reservas técnicas referentes a seguro resgatável.a) as parcelas das contribuições e dos prêmios destinadas à constituição de provisões ou reservas técnicas; b) os valores pagos referentes a restituições de contribuições e prêmios que houverem sido computados como receitas, inclusive cancelamentos; c) os valores pagos por serviços de intermediação de previdência e de seguro de vida de pessoas com cobertura por sobrevivência; ed) as despesas com indenizações referentes às coberturas de risco, correspondentes aos benefícios efetivamente pagos, ocorridos em operações de previdência complementar.a) as parcelas das contribuições destinadas à constituição de provisões ou reservas técnicas, inclusive provisões de sorteios a pagar; b) os valores pagos referentes a cancelamentos e restituições de títulos que houverem sido computados como receitas; e c) os valores pagos por serviços de intermediação de capitalização.
Outros: – Integra a base de cálculo a parcela da reversão das provisões ou reservas técnicas que for retida pela entidade como receita própria.- As operações de resseguro e retrocessão ficam sujeitas à incidência à alíquota zero, inclusive quando os prêmios de resseguro e retrocessão forem cedidos ao exterior.
– O contribuinte do IBS e da CBS sujeito ao regime regular que adquirir e for segurado de serviços de seguro e resseguro poderá apropriar créditos de IBS e de CBS sobre os prêmios, pelo valor dos tributos pagos sobre esses serviços.
– Integra a base de cálculo a parcela da reversão das provisões ou reservas técnicas retida pela entidade como receita própria.- Não integram a base de cálculo os rendimentos auferidos nas aplicações de recursos financeiros destinados ao pagamento de benefícios de aposentadoria, pensão, pecúlio e de resgates, aplicável aos rendimentos I – de aplicações financeiras proporcionados pelos ativos garantidores das provisões técnicas, limitados esses ativos ao montante das referidas provisões; e II – dos ativos financeiros garantidores das provisões técnicas de empresas de seguros privados destinadas exclusivamente a planos de benefícios de caráter previdenciário e a seguros de pessoas com cobertura por sobrevivência. – Também não integram a base de cálculo de que trata este artigo os demais rendimentos de aplicações financeiras auferidos pelas entidades que prestam as atividades de previdência complementar aberta e fechada e seguro de pessoas com cobertura por sobrevivência- Fica vedado o crédito de IBS e de CBS na aquisição de serviços de previdência complementar (artigo 226)– Integra a base de cálculo de que trata este artigo a parcela da reversão das provisões ou reservas técnicas retida pela entidade como receita própria.- Não integram a base de cálculo os rendimentos auferidos nas aplicações financeiras destinadas ao pagamento de resgate de títulos e sorteios de premiação- restrito aos rendimentos de aplicações financeiras proporcionados pelos ativos garantidores das provisões técnicas, limitados esses ativos ao montante das referidas provisões.- Também não integram a base de cálculo de que trata este artigo os demais rendimentos de aplicações financeiras auferidos pelas entidades que prestam as atividades de capitalização.- O contribuinte do IBS e da CBS sujeito ao regime regular que adquira títulos de capitalização poderá apropriar créditos de IBS e de CBS pelo valor dos tributos pagos sobre esse serviço.

Apropriação de Créditos:

De forma geral, os créditos do IBS e da CBS serão apropriados com base nas informações prestadas pelos fornecedores ao Comitê Gestor do IBS e à RFB (artigo 190). As especificidades foram elencadas na tabela da base de cálculo acima e no capítulo das alíquotas.

Prestação de Informações:

A título de obrigação acessória, as entidades, na forma do regulamento a ser expedido, deverão prestar informações sobre as operações realizadas art 191 e, sem prejuízo de outras informações requeridas em regulamento, as sociedades seguradoras, resseguradores, entidades abertas e fechadas de previdência complementar e sociedades de capitalização deverão apresentar, na forma do regulamento, a título de obrigação acessória, as seguintes informações:

I – as sociedades seguradoras e resseguradores, a identificação dos segurados ou, caso os segurados não sejam identificados na contratação do seguro, dos estipulantes e os valores dos prêmios pagos por cada um;

II – as entidades de previdência complementar, a identificação dos participantes e os valores das contribuições pagos por cada um; e

III – as sociedades de capitalização, a identificação dos titulares, subscritores ou distribuidores dos títulos e os valores da arrecadação com os títulos (artigo 227).

Alíquotas:

Os serviços de intermediação de seguros, resseguros, previdência complementar e capitalização ficarão sujeitos à incidência do IBS e da CBS sobre o valor da operação, pela mesma alíquota aplicável aos serviços de seguros, resseguros, previdência complementar e capitalização.

Os prestadores de serviços de intermediação de seguros, resseguros, previdência complementar e capitalização que forem optantes pelo Simples Nacional: I – permanecerão tributados de acordo com as regras do Simples Nacional, quando não exercerem a opção pelo regime regular do IBS e da CBS; e II – ficarão sujeitos à mesma alíquota do IBS e da CBS aplicável aos serviços de seguros, resseguros, previdência complementar e capitalização, quando exercerem a opção pelo regime regular do IBS e da CBS. 

Os créditos das operações de intermediação poderão ser aproveitados pelos adquirentes segurados dos respectivos seguros, resseguros e pelos adquirentes de títulos de capitalização que sejam contribuintes do IBS e da CBS no regime regular, desde que o fornecedor da intermediação identifique os adquirentes e destinatários, com base nos valores do IBS e da CBS pagos pelo intermediário (artigo 228).

As alíquotas serão nacionalmente uniformes e  I – de 2027 a 2033, aquelas fixadas de acordo com as regras previstas na Lei Complementar; e II – a partir de 2034, aquelas fixadas para 2033 (artigo 189).

Como regra geral, a Lei Complementar, em seu artigo 233, apresenta critérios para o cálculo das alíquotas que devem ter sua metodologia aprovada por ato conjunto do Ministro de Estado da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS, após consulta e homologação pelo Tribunal de Contas da União (artigo 233, parágrafo 4º).

Importação (artigo 231)

Não acreditamos que a SUSEP permitirá a importação de seguros, mas seguem pequenas palavras sobre a reforma com relação à importação.

Quando considerados importados, os serviços ficarão sujeitos ao IBS e à CBS pela mesma alíquota local.

A base de cálculo será o valor correspondente à receita auferida pelo fornecedor em razão da operação, com a aplicação de um fator de redução para contemplar uma margem presumida, a ser prevista no regulamento, observados os limites para as deduções de base de cálculo dos mesmos serviços financeiros prestados no País, quando aplicável.

O Presidente Lula vetou a alíquota zero de IBS e CBS na importação de operações de crédito, câmbio, títulos e valores mobiliários, securitização e faturização e sua dedução da base de cálculo do IBS e da CBS (artigo 231, parágrafo 1º, III).

Exportação (artigo 232)

Os serviços financeiros quando forem prestados para residentes ou domiciliados no exterior, serão considerados exportados e ficarão imunes à incidência do IBS e da CBS. Deverão ser calculadas a proporção das receitas de exportações sobre a receita total dos serviços prestados e, quando aplicável, a permissão da dedução de despesas da base de cálculo das respectivas operações. 

Não são considerados exportados os serviços financeiros prestados a entidades no exterior que sejam filiais, controladas ou investidas, preponderantemente, por residentes ou domiciliados no País que não sejam contribuintes do IBS e da CBS no regime regular, individualmente ou em conjunto com partes relacionadas.

III – Conclusões

Inquestionável a exigência de compliance para o envio de informações à RFB. Ademais, a análise da alíquota que será aplicada e a forma como a apuração dos novos tributos será detalhada, razão pela qual as empresas do setor devem estar prontas não só para a mudança, como também para conviver com 2 regimes (o atual e o novo) no seu dia a dia tributário.

Sem dúvida, o planejamento é essencial para a eficiência fiscal das empresas do setor.

Apresentado o panorama geral, no próximo texto, vamos adentrar a questões específicas da reforma tributária para os planos de assistência à saúde.

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