Uma nova discussão sobre a tributação na importação de serviços vem sendo levantada pelos contribuintes no Poder Judiciário. Trata-se da alegada inconstitucionalidade do PIS-Importação e da COFINS-Importação sobre serviços tomados do exterior, uma vez que a base de cálculo eleita pela legislação não se coaduna com as particularidades da importação de serviços.
O PIS-Importação e a COFINS-Importação são contribuições sociais com arrimo no artigo 149 da Constituição Federal. O dispositivo mencionado, introduzido pela Emenda Constitucional nº 33/2001, prevê a competência exclusiva da União Federal para a instituição de contribuições sociais e determina, em seu § 2º, inciso III, alínea “a”, que terão por base de cálculo – nos casos de alíquotas ad valorem – “o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação” e, especificamente para o caso de importações, “o valor aduaneiro”.
Rememore-se que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 559.937 (em 2013), afastou da base de cálculo do PIS/COFINS-Importação o valor do ICMS que era acrescido ao valor aduaneiro pela legislação de regência para fins de cobrança das contribuições. A Suprema Corte assentou que a base de cálculo para as contribuições devidas na importação prevista pelo artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” era justamente o “valor aduaneiro”.
Ou seja, a legislação, notadamente a Lei nº 10.865/2004, ao determinar o acréscimo do ICMS sobre o valor aduaneiro para a formação da base de cálculo do PIS/COFINS devidos na importação, ampliava a materialidade dos tributos sem o devido respaldo constitucional.
Tal posição restou bem explicitada no voto condutor da Ministra Ellen Gracie:
“As contribuições sobre a importação, pois, não podem extrapolar a base do valor aduaneiro, sob pena de inconstitucionalidade por violação à norma de competência no ponto constante do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição. “
O que se consagrou, à época, foi justamente a taxatividade do rol do artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” da Constituição, vale dizer, a instituição de contribuições sociais deve eleger uma das bases ali exaustivamente descritas, sob pena de extrapolação da competência constitucional para a criação de novos tributos.
Vejamos o quanto consignado no voto do Ministro Dias Toffoli no já mencionado RE nº 559.937:
“Ao analisar o comando constitucional, não vejo como interpretar as bases econômicas ali mencionadas como meros pontos de partida para a tributação, porquanto a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites.
Ao dispor que as contribuições sociais e interventivas poderão ter alíquotas “ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro”, o art. 149, § 2º, III, a, da CF utilizou termos técnicos inequívocos, circunscrevendo a tais bases a respectiva competência tributária.
Portanto, a meu ver, não se sustenta o argumento de que tal dispositivo estaria estabelecendo o valor aduaneiro tão somente como uma base mínima para a tributação. Na verdade, essa norma delimita, por inteiro, a base de cálculo das contribuições sociais a ser adotada nos casos de importação. Trata-se, assim, de comando dirigido ao legislador ordinário que revela a grandeza econômica que pode ser onerada – o valor aduaneiro – quando se verifica o fato jurídico “realizar operações de importação de bens”.”
Ademais, alterar os significados dos conceitos empregados pela legislação para majorar a base de cálculo dos tributos vulneraria, ainda, o quanto disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional[1]. Por tal razão, não pode o legislador pretender que o significado de valor aduaneiro contemple valores estranhos ao seu conceito.
O Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT (General Agreement on Tariffs and Trade/Acordo Geral de Tarifas e Comércio), do qual o Brasil é signatário, determina que o valor aduaneiro representa “o valor de transação, isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições do art. 8º”.
Segundo o texto em questão, o conceito de valor aduaneiro seria inerente à compra e venda de mercadorias, sendo estranho às transações envolvendo serviços, o que chegar-se-ia à conclusão pela inconstitucionalidade ou, ainda, pela ilegalidade da cobrança do PIS/COFINS-Importação incidentes sobre serviços.
Lado outro, a Lei nº 10.865/2004, que dispõe sobre o PIS/COFINS-Importação, elege como base de cálculo das contribuições sobre os serviços importados (artigo 7º, inciso II) “o valor pago, creditado, entregue, empregado ou remetido para o exterior, antes da retenção do imposto de renda, acrescido do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza – ISS e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso II do caput do art. 3º desta Lei”.
Em síntese, o legislador, as determinar a incidência do PIS/COFINS-Importação sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos ao exterior contrariou o texto do artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” da Constituição, que determina que as contribuições terão por base, “no caso de importação, o valor aduaneiro”[2]; sem prejuízo, o valor aduaneiro não seria uma materialidade própria da importação de serviços, a revelar a inexigibilidade das contribuições em discussão.
Por tais razões, há notícia de ao menos uma decisão desonerando o contribuinte do pagamento das contribuições em comento na importação de serviços, proferida pelo Juízo da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro (Mandado de Segurança nº 5009377-66.2022.4.02.5101).
Finalmente, é importante pontuar que o entendimento sobre a taxatividade do rol do artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal foi ignorado pelo próprio STF quando do julgamento do RE 603.624[3], em meados de 2020, no qual se validou a cobrança das Contribuições a Terceiros.
Na ocasião, reputou-se constitucionais as exações, mesmo que exigidas sobre a folha de pagamento das empresas, materialidade não indicada pelo dispositivo constitucional retro citado.
Portanto, trata-se de mais uma questão relevante de controvérsia tributária a ser dirimida pelo Poder Judiciário, em especial pelo Supremo Tribunal Federal, e uma ótima oportunidade para uma discussão mais densa acerca da taxatividade do rol do artigo 149, § 2º, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal.
Por Daniel Andrade, Edgar Gomes e Thiago Sarraf
dandrade@tagdlaw.com
edgar.gomes@tagdlaw.com
thiago.sarraf@tagdlaw.com
[1] Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
[2] Havendo, inclusive, posicionamento da própria PGFN neste sentido, consignado no PARECER SEI Nº 4891/2022/ME:
“A despeito de não existir precedente vinculante sobre o tema, restou pacificado no âmbito do STF o entendimento de que as contribuições sociais sobre a importação que tenham alíquota ad valorem são calculadas com base no valor aduaneiro, a teor do art. 149, § 2º, III, “a”, da Constituição Federal, de modo que não se pode inserir na base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre a importação de serviços o valor relativo ao ISSQN, (…)”
[3] “1. O acréscimo realizado pela EC 33/2001 no art. 149, § 2º, III, da Constituição Federal não operou uma delimitação exaustiva das bases econômicas passíveis de tributação por toda e qualquer contribuição social e de intervenção no domínio econômico.
2. O emprego, pelo art. 149, § 2º, III, da CF, do modo verbal “poderão ter alíquotas” demonstra tratar-se de elenco exemplificativo em relação à presente hipótese. Legitimidade da exigência de contribuição ao SEBRAE – APEX – ABDI incidente sobre a folha de salários, nos moldes das Leis 8.029/1990, 8.154/1990, 10.668/2003 e 11.080/2004, ante a alteração promovida pela EC 33/2001 no art. 149 da Constituição Federal.”