O Supremo Tribunal Federal (“STF”) finalizou, em 12.4.2023, o julgamento dos Embargos de Declaração na Ação Declaratória de Constitucionalidade (“ADC”) nº 49, na qual se discutiu a inexigibilidade do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre filiais.
A discussão é antiga e já foi objeto de súmula editada pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) em 1996. Na ocasião, ante a existência de reiterados julgados da Corte no mesmo sentido, tais como os Recursos Especiais (REsp) nºs 9.933-0/SP (2ª Turma, julgado em 7.10.1992), 37.842-7/SP/RJ (2ª Turma, julgado em 24.11.1993), 36.060-9/MS (1ª Turma, julgado em 10.8.1994) e 32.203-4/RJ (1ª Turma, julgado em 6.3.1995), o STJ consignou que (Súmula nº 166) “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Os precedentes em questão, analisando os termos do Decreto-Lei nº 406/1967 – porém com entendimento mantido para os fatos geradores ocorridos após a Lei Complementar nº 87/1996 –, afastaram a pretensão do fisco em exigir o ICMS nas meras transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular, por não constituir tal movimentação um ato de mercancia apto a atrair a incidência do imposto estadual, que pressupõe a realização de uma operação de compra e venda (na modalidade circulação de mercadorias, vale dizer, ressalvando-se as hipóteses da incidência sobre serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação).
Sem prejuízo, os Estados permaneceram exigindo o imposto, gerando incontáveis ações judiciais propostas pelos contribuintes com objetivo de afastar o ICMS sobre tais circulações.
O entendimento do STF nunca foi diverso do posicionamento pelo STJ. Em meados de 2020, sob a sistemática de repercussão geral (Tema nº 1.099), restou decidido que “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.
Em abril de 2021, o STF julgou o mérito da ADC nº 49 e, como era de se esperar, se posicionou pela “inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho ‘ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular’, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de setembro de 1996”, por unanimidade, nos termos do voto do Relator Ministro Edson Fachin.
Após este julgamento, sobrevieram Embargos de Declaração, através do qual o fisco (no caso, o Estado do Rio Grande do Norte, autor da ADC) pugnou pela modulação dos efeitos da decisão. Este julgamento foi iniciado ainda em 2021, porém interrompido por diversas vezes em razão de pedidos de vista ou destaque pelos Ministros.
Importante notar que diversos segmentos econômicos se fizeram representar na ADC (amicus curiae), alguns se posicionando contra a modulação (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA, por exemplo) e outros a favor (como o Instituto para Desenvolvimento do Varejo – IDV), estes últimos sustentando ser necessária a reestruturação da cadeia logística e dos centros de distribuição, para evitar a perda potencial de créditos tributários e do saldo de créditos acumulados, o que afetaria o caixa e o balanço patrimonial das empresas.
Somente em 12.4.2023 restou então ultimado o julgamento dos Embargos, decidindo o STF pela modulação dos efeitos da decisão, nos seguintes termos propostos pelo Relator Ministro Edson Fachin:
“No cenário de busca de segurança jurídica na tributação e equilíbrio do federalismo fiscal, julgo procedentes os presentes embargos para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.
Exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos. Embargos conhecidos e parcialmente providos para a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular.”
O prazo para produção de efeitos da decisão foi objeto de controvérsia entre os Ministros, tendo prevalecido a proposição acima por 6 (seis) votos contra 5 (cinco) – a corrente vencida propunha a eficácia da decisão a partir de 18 (dezoito) meses contados da publicação da ata de julgamento dos Embargos de Declaração, nos termos do voto do Ministro Dias Toffoli.
Portanto, os contribuintes deverão recolher o ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular até 31.12.2023, passando a ser inexigível a tributação nestas hipóteses a partir do exercício de 2024, ressalvados aqueles que já discutiam a matéria, administrativa ou judicialmente, na ocasião da publicação da ata de julgamento de mérito da ADC nº 49 (29.4.2021).
Ademais, deverão os Estados disciplinar a transferência de créditos entre os estabelecimentos até o final do ano corrente, podendo os contribuintes se apropriarem destes valores a partir de 2024 caso a questão não seja regulamentada até então.
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Colaborou com a elaboração deste texto Thiago Sarraf