A Licitude da Contratação de Trabalhador Autônomo ou de Pessoa Jurídica para Prestação de Serviços

À luz da jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal

I. Introdução

A contratação de profissionais na forma de autônomos ou por meio de pessoa jurídica tem se tornado prática comum em diversos setores da economia brasileira. O crescimento desse modelo contratual levanta debates quanto à sua licitude à luz do ordenamento jurídico trabalhista e constitucional, sobretudo quando se confunde com a figura do vínculo empregatício dissimulado — prática conhecida como “pejotização”.

Nas últimas décadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou importantes precedentes que conferem segurança jurídica à adoção de contratos autônomos e parcerias empresariais legítimas, desde que ausentes os requisitos clássicos da relação de emprego (art. 3º da CLT). Em 2025, o julgamento do Tema 1.389 trará nova diretriz definitiva sobre o tema.

II. Fundamentos Legais e Conceituais

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece, no art. 3º, os elementos caracterizadores da relação empregatícia:

“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Por outro lado, o art. 442-B da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), expressamente admite a contratação de autônomos, mesmo com exclusividade, afastando automaticamente o vínculo empregatício:

“A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.”

A contratação por meio de pessoa jurídica também encontra respaldo legal, especialmente quando o prestador de serviços possui autonomia técnica, liberdade contratual e ausência de subordinação.

III. Jurisprudência do STF sobre a Matéria

1. ADPF 324 e RE 958.252 (Tema 725) – Terceirização Irrestrita

Em 2018, o STF decidiu que:

“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social da empresa tomadora dos serviços.”

Esse julgado fixou a tese de que não existe ilegalidade automática na contratação de terceiros para atividades-fim, afastando a jurisprudência da Justiça do Trabalho que vedava a terceirização ampla.

2. ADC 48, ADI 3961 e ADI 5625 – Validação de Modelos Contratuais Alternativos

O STF reconheceu como válidos:

  • Contratos de parceria com profissionais de salão de beleza (ADI 5625);
  • Contratos de transporte por autônomos (ADC 48 e ADI 3961);
  • Parcerias empresariais legítimas, desde que ausente fraude.

Esses casos reforçam o entendimento de que a Constituição não exige vínculo empregatício como único meio de prestação de serviços.

3. Reclamações Constitucionais: RCL 65868, 56285 e 59836

O Supremo tem reiteradamente cassado decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem vínculo empregatício em situações nas quais a prestação de serviço fora feita por pessoa jurídica regularmente constituída e onde não ficou comprovada a presença dos elementos do art. 3º da CLT, em especial a subordinação.

Na RCL 59836, por exemplo, o ministro Luís Roberto Barroso cassou acórdão que reconhecia vínculo de emprego entre uma advogada e o escritório contratante, validando a contratação via PJ.

IV. Tema 1.389 da Repercussão Geral: O STF Decidirá em Plenário

1. Objeto do Tema

O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603 trata da seguinte tese:

“Possibilidade de contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para prestação de serviços, à luz da ADPF 324, e se a Justiça do Trabalho pode reconhecer relação de emprego com base em fraude.”

Três pontos estão sob análise:

  • A licitude da contratação por PJ ou como autônomo;
  • A competência da Justiça do Trabalho para reconhecer vínculo;
  • A distribuição do ônus da prova em caso de alegação de fraude.

2. Suspensão Nacional

Em abril de 2025, o STF determinou a suspensão nacional de todos os processos em curso que tratem da matéria, até julgamento definitivo do Tema 1.389, por decisão do ministro Gilmar Mendes.

V. Considerações Práticas

Para a contratação através de uma PJ ser válida, deve haver:

  • Liberdade na execução das atividades;
  • Ausência de subordinação direta;
  • Capacidade de negociação e organização própria;
  • Regularidade formal da empresa contratada.

Adicionalmente, a Reforma Trabalhista reforçou a liberdade contratual, reconhecendo a legitimidade de formas alternativas de prestação de serviços no contexto da economia contemporânea.

VI. Conclusão

O STF tem progressivamente reconhecido a licitude da contratação de prestadores de serviço como autônomos ou por meio de pessoa jurídica, desde que ausentes os elementos caracterizadores da relação de emprego.

A suspensão nacional dos processos e a expectativa pelo julgamento do Tema 1.389 demonstram a relevância e a complexidade do tema. Até que haja definição vinculante, recomenda-se cautela na elaboração de contratos e na organização das relações de trabalho.

VII. Orientação Jurídica

A equipe trabalhista do TAGD Advogados está à disposição para aprofundar o tema, revisar contratos, estruturar modelos de prestação de serviços e orientar empresas e profissionais na adoção de formatos juridicamente seguros e compatíveis com a jurisprudência atual.

Antonio Pereira Neto e Maria Rosa Machado Padilha

TAGD Advogados – Equipe Trabalhista 

Este informativo destina-se exclusivamente a propor o debate dos assuntos que são aqui tratados, não devendo ser considerado como aconselhamento jurídico formal.

OUTROS
artigos