Após décadas de discussões o Supremo Tribunal Federal (“STF”) decidiu no Recurso Extraordinário (“RE”) nº 574706 que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da COFINS. Esta controvérsia foi conhecida como “tese do século”, dada sua relevância jurídica e financeira.
O Governo Federal, a seu turno, nunca admitiu de fato a derrota imposta nos Tribunais, buscando minimizar os alegados prejuízos através da imposição de outros óbices à utilização dos valores pagos a maior pelos contribuintes.
O primeiro entrave se deu no próprio RE nº 574706, no qual a União Federal pugnou fosse excluído apenas o ICMS efetivamente pago na operação, e não o imposto destacado nos documentos fiscais e que repercute na base das Contribuições Federais, sem êxito.
Pleiteou ainda ao STF a modulação dos efeitos da decisão, no que foi atendido: apenas os contribuintes que ingressaram com medidas judiciais ou administrativas até 17.3.2017 puderam reaver os valores indevidamente recolhidos no período anterior; aqueles que não questionaram a indevida tributação, somente podem excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS após esta data.
Sem prejuízo, há notícias1 de dificuldades na realização de compensações para aqueles contribuintes que não desembolsaram efetivamente as Contribuições em razão da existência de saldo credor em determinados períodos de apuração.
Finalmente, o Poder Executivo editou em 12 de janeiro deste ano a Medida Provisória (“MP”) nº 1.159 que, alterando as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, passou a prever a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS. Segundo a exposição de motivos, a medida é uma decorrência lógica2 da exclusão do imposto da base de cálculo das Contribuições (débito), além de ser medida que tem por escopo evitar a geração de “acúmulo de créditos por parte dos contribuintes, causando esvaziamento na arrecadação das contribuições destinadas à Seguridade Social”.
Ainda que o prazo de vigência desta MP tenha se encerrado em 1º.6.2023, os correlatos dispositivos foram inseridos no artigo 6º da Lei nº 14.592/2023, publicada em 30.5 e fruto de conversão da MP nº 1.147/2022.
Esta norma já é objeto de questionamento dos contribuintes perante o Poder Judiciário.
Argumentam os contribuintes que a vedação ao crédito contraria o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no Recurso Especial (“REsp”) nº 1.221.170, tema nº 779 dos recursos repetitivos, no qual foi consignado que, para efeitos de creditamento de PIS e COFINS, “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica”.
Ou seja: ainda que o legislador possa normatizar a não-cumulatividade inerente ao PIS e à COFINS, deve sempre observar a finalidade desta forma de apuração para dispor sobre o creditamento, especialmente para permitir o crédito sobre custos e insumos relevantes ou essenciais para o desempenho das atividades das empresas.
Neste sentido há uma decisão proferida pelo Desembargador William Douglas, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (que abrange os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo). O Magistrado acolheu o pedido de uma empresa para afastar as normas que restringem o crédito de PIS e COFINS sobre o ICMS incidente na aquisição, por considerar o imposto estadual como um custo necessário para o desempenho das atividades empresariais, destacando:
“Portanto, de fato, o legislador ordinário poderá disciplinar a não cumulatividade das contribuições, não sendo matéria reservada a lei complementar, mas sobretudo, deverá respeitar a lógica e finalidade da não cumulatividade, levando em consideração os custos e insumos adquiridos pelo contribuinte e sua essencialidade para o desempenho de suas funções.
Ora, ao se fazer aquisição de uma mercadoria para revenda, sendo o ICMS um custo a qual o contribuinte irá arcar, qual seria o sentido, na não cumulatividade, de retirar o imposto da base de crédito das contribuições? Como já dito, entende-se a lógica de excluir tais valores da base da incidência, posto que serão destinados à Fazenda, não sendo uma receita para o contribuinte.
(…)
Partindo do contexto da tese firmada no Tema nº 756 do STF, do conceito e da finalidade do princípio da não cumulatividade das contribuições do PIS e da Cofins, entendo que o ICMS deverá compor a base de crédito de tais tributos, uma vez que essa sistemática de tributação pressupõe essa lógica, não podendo o legislador ordinário alterar a matriz constitucional da não cumulatividade das Contribuições.
Assim, assegurar o princípio da não cumulatividade aos contribuintes é também realizar a prevenção do desequilíbrio da concorrência, da razoabilidade, da isonomia e da proteção da confiança.
Por fim, o agravo interno interposto pela UNIÃO fica prejudicado com o julgamento deste agravo de instrumento.
Ante o exposto, voto no sentido de DAR provimento ao agravo de instrumento da COMPANHIA DE CANETAS COMPACTOR. Agravo interno da UNIÃO prejudicado.”3
Por outro lado, foi proferida decisão em sentido contrário pela Desembargadora Diana Brunstein, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS):
“É certo que a Medida Provisória nº 1.159/23 não está revogando uma isenção concedida por prazo certo e sob determinadas condições. Logo, é inaplicável o disposto no artigo 178 do CTN.
Por fim, conforme informado pela recorrente, consta da exposição de motivos da MP:
‘4. Destaque-se que o § 2º, inciso II, do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003, determina que não dará direito a crédito o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento das contribuições. Dessa forma, se o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal não está sujeito ao pagamento das contribuições, consequentemente não deveria dar direito ao crédito.
5. Portanto, o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal, conforme decisão do Supremo, não integra o preço/valor do produto, visto que apenas transita no caixa das empresas para depois ser recolhido aos estados. Logo, na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na forma prescrita no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003, deve ser efetuada também a exclusão do valor do ICMS destacado na Nota Fiscal de aquisição.’
Nesse sentido, prima facie, verifico que as alegações e documentos que sustentam o recurso justificam o deferimento da medida pleiteada.”4
Esta decisão, que suspendeu liminar concedida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes5, foi proferida em caráter provisório, vale dizer, não realizando a análise detida da controvérsia jurídica.
Há de se apontar, com o devido respeito aos argumentos invocados, que a decisão não analisou a essencialidade do custo para o desempenho da atividade – afinal, o ICMS incidente na operação é uma imposição legal (e, portanto, um custo obrigatório aos adquirentes), além de não se admitir que os créditos de PIS e COFINS sejam um incentivo fiscal (isenção), como sugere: trata-se de mecanismo que dá efetividade ao sistema não-cumulativo, sem que isso constitua um favor do fisco às empresas.
Portanto, a vedação ao crédito de PIS e COFINS sobre o ICMS integrante do custo de aquisição de mercadorias se revela questionável e inaugura uma nova contenda entre contribuintes e fisco, sendo oportuno que as empresas submetidas à apuração não-cumulativa das Contribuições analisem a conveniência de discutir a questão judicialmente para buscar o creditamento desta parcela.
A equipe da área tributária do TAGD Advogados está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas – tributario@tagdlaw.com.br.
Este informativo tributário destina-se exclusivamente a propor o debate dos assuntos que são aqui tratados, não devendo ser considerado como aconselhamento jurídico formal.
Colaborou com a elaboração deste texto Thiago Sarraf
1 https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2023/07/06/receita-nega-restituicoes-e-compensacoes-de-pis-cofins.ghtml
2 “Dessa forma, se o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal não está sujeito ao pagamento das contribuições, consequentemente não deveria dar direito ao crédito.”
3 Agravo de Instrumento nº 5018411-78.2023.4.03.0000, decisão proferida em 13.7.2023.
4 Agravo de Instrumento nº 5005005-17.2023.4.02.0000, decisão proferida em 25.6.2023.
5 “A decisão proferida no RE nº 574.706/PR em nenhum momento trata da base de cálculo dos créditos do PIS/COFINS, muito menos em relação à inclusão do ICMS em tal base de cálculo. O julgamento pela Suprema Corte em nada alterou a forma de apuração dos créditos, permanecendo incólume a legislação que trata do tema.
Na verdade, o crédito no PIS/COFINS não levava em consideração o efetivo valor pago na tributação. Assim, não existe uma correlação necessária entre a exclusão do ICMS da base de cálculo PIS/COFINS e a sua inclusão no direito de crédito. O ICMS pago na aquisição de insumos continua sendo um tributo não recuperável. Com o que se verifica, ao menos nesta cognição sumária, que a exclusão do ICMS da base de crédito do PIS/COFINS viola a não cumulatividade.
Posto isso, DEFIRO A LIMINAR formulada pela impetrante para que DEFIRO A LIMINAR seja reconhecido o direito da Impetrante à apropriação de créditos de PIS e COFINS sobre o valor de ICMS incidente na operação de aquisição de bens adquiridos e serviços tomados, afastando, assim, os efeitos da MP n.º 1159/2023.”
(Mandado de Segurança nº 5001361-70.2023.4.03.6133, decisão proferida em 24.5.2023)