O termo compliance vem galgando cada vez mais notoriedade, não apenas no meio jurídico, com enfoque na Administração Pública, mas especialmente no mundo corporativo.
Na etimologia, a palavra “compliance” vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir”, “obedecer” ou “estar em conformidade”. No entanto, por influência estadunidense, o vocábulo vem sendo ressignificado e ganhando novos contornos, referindo-se aos programas, práticas e políticas voltadas ao cumprimento das leis e regulamentos, orientados pela ética.
No Brasil, a nova perspectiva de compliance ganhou relevo com o advento da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. A partir desse momento, cresce a percepção das empresas da necessidade de se alinharem a normas éticas e legais.
Os programas de compliance, portanto, representam o instrumento jurídico, decorrente da autorregulação das empresas, onde são estabelecidos os padrões éticos e de conduta da sociedade empresária. Conforme destaca Ana Frazão (2015), os programas de compliance funcionam como mecanismos eficazes de mudança de cultura organizacional, pois incentivam condutas baseadas na ética e no cumprimento das normas legais, refletindo diretamente na mitigação de riscos nas relações laborais.
Nesse sentido, o compliance pode abranger áreas como Compliance Anticorrupção, Compliance Trabalhista, Compliance Fiscal, Compliance de Proteção de Dados (LGPD) e Compliance Ambiental, tendo como principal objetivo a prevenção de riscos legais e danos à reputação da empresa.
Particularmente no que tange ao direito do trabalho, a implementação de um programa de compliance auxilia as empresas na redução do risco de litígios trabalhistas, promovendo ambientes de trabalho mais saudáveis e transparentes. Esse tipo de compliance pode ser especialmente relevante em empresas com grande número de funcionários ou em setores onde as relações de trabalho são mais vulneráveis a abusos.
O compliance trabalhista, portanto, refere-se à conformidade das empresas com a legislação trabalhista, prevenindo litígios cíveis e trabalhistas e visando garantir direitos como: pagamento correto da remuneração; respeito à jornada de trabalho, garantia de condições dignas de trabalho, combate ao assédio moral e sexual, prevenção de discriminação, bem como cumprimento das normas de saúde e segurança.
Desafios da Implementação do Compliance Trabalhista
Não obstante os proveitos elucidados, a implementação de programas de compliance trabalhista enfrenta alguns desafios. Entre os principais, destacam-se:
- Cultura organizacional: A resistência à mudança é uma barreira comum, especialmente em empresas com práticas enraizadas ou uma cultura corporativa que não prioriza a conformidade.
- Treinamento e conscientização: É essencial que todos os funcionários, desde a alta gestão até os operacionais, compreendam as regras de compliance e a importância do seu cumprimento.
- Investimento inicial: O processo de implementação de um programa de compliance pode demandar investimentos significativos, especialmente em empresas de grande porte ou em setores que demandam acompanhamento constante da legislação. No entanto, o investimento para a implementação do programa de compliance oferece segurança jurídica para as empresas, beneficiando a todos. É de suma importância enxergar a implementação de um programa de compliance como investimento e não como custo.
Benefícios do Compliance para os Trabalhadores:
Para os trabalhadores, um ambiente empresarial em conformidade com as normas trabalhistas oferece uma série de vantagens, tais como:
- Segurança jurídica: Os trabalhadores podem confiar que seus direitos serão respeitados, reduzindo a insegurança no ambiente de trabalho.
- Prevenção de abusos: O compliance contribui para a prevenção de práticas como discriminação, assédio e exploração laboral.
- Ambiente de trabalho saudável: Com políticas claras e treinamento constante, as empresas criam um ambiente de trabalho mais transparente, onde a ética e o respeito mútuo prevalecem.
O Compliance na Jurisprudência Trabalhista
Muito embora o Compliance possua em seu cerne o caráter de prevenção de litígios, é possível verificar que os Tribunais Regionais do Trabalho vêm reconhecendo a sua importância dentro do ambiente de trabalho, destacando seu âmbito ético e inclusive destacando seus programas como meio de prova em ações judiciais, como se verifica dos julgados abaixo colacionados:
COMPLIANCE TRABALHISTA DA TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. O princípio ético de integridade empresarial e as práticas de compliance trabalhista impõem, como decorrência lógica do princípio da legalidade, que a empresa zele pelo rigoroso cumprimento da legislação trabalhista em relação a todos os trabalhadores que laborem a seu benefício, registrando com transparência os dados desses trabalhadores para a facilitação da auditoria do trabalho, porquanto constitui ato lesivo à Administração Pública dificultar atividade de investigação ou fiscalização pelos órgãos estatais (Inteligência dos art . 5º, II da Constituição, art. 5º, V da Lei 12.846/2013 e arts. 41 e 42 do Decreto 8 .420/2015). (TRT-3 – RO: 00106158620175030085 MG 0010615-86.2017.5.03 .0085, Relator.: Jose Eduardo Resende Chaves Jr., Data de Julgamento: 08/08/2018, Primeira Turma, Data de Publicação: 09/08/2018.)
JUSTA CAUSA. MAU PROCEDIMENTO. Nos termos do art. 482, b, da CLT, constitui justa causa para a dispensa o mau procedimento, consistente no comportamento irregular do empregado, comportamento este ou postura incompatíveis com o padrão médio de ética e urbanidade. É do empregador o ônus da prova da existência de justa causa para a dispensa do empregado, por tratar-se de um fato impeditivo do direito obreiro às verbas rescisórias. Tal orientação se justifica em virtude do princípio da continuidade da relação de emprego e da presunção que se estabelece de que o empregado é dispensado sem justa causa (Súmula nº 212 do col. TST). Provado nos autos o que restou apurado mediante programa de compliance desenvolvido pela empresa, no tocante à gravidade das denúncias formuladas contra o mau procedimento do reclamante no ambiente de trabalho, impõe-se reconhecer a dispensa motivada ENQUADRAMENTO SINDICAL. APLICABILIDADE DE NORMAS COLETIVAS DA CATEGORIA ECONÔMICA PREPONDERANTE. DIFERENÇAS SALARIAIS. Cediço que o enquadramento sindical de uma empresa se define pela categoria econômica a que estiver vinculada. Daí advém o conceito de atividade empresarial preponderante para fins de reconhecer a aplicação de determinada convenção coletiva . É o que se infere dos arts. 511 e 570 da CLT. Confirmada a atividade preponderante da empresa (vinculada ao comércio e gás liquefeito), ratifica-se a sentença para o fim de declarar aplicáveis as normas coletivas firmadas pelo Sindicato nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo, indeferindo ao empregado as diferenças vindicadas. (TRT-10 – ROT: 00002947020225100101, Relator.: RICARDO ALENCAR MACHADO, Data de Julgamento: 13/04/2023, 3ª Turma – Desembargador Ricardo Alencar Machado)
O Futuro do Compliance no Direito do Trabalho
O cenário atual indica que as práticas de compliance no âmbito do direito do trabalho tendem a se expandir, à medida que mais empresas reconhecem os benefícios de um ambiente ético e legalmente conforme. Espera-se que o compliance se torne uma ferramenta não apenas de prevenção de litígios, mas também de valorização do capital humano, contribuindo para a criação de um mercado de trabalho mais justo e ético.
Além disso, as novas tecnologias, como a inteligência artificial e o big data, podem tornar o monitoramento do compliance trabalhista mais eficiente, proporcionando soluções mais rápidas e precisas para detectar e corrigir violações.
Conclusão
A integração entre Compliance e Direito do Trabalho é um passo importante para a evolução das práticas empresariais no Brasil. Ao adotar políticas de compliance, as empresas não apenas garantem o cumprimento das normas legais, mas também contribuem para a construção de um ambiente de trabalho mais justo, ético e transparente.
Dessa forma, o compliance oferece vantagem bivalente, tanto para o empregado quanto para o empregador.
A equipe trabalhista do TAGD Advogados está à disposição para aprofundar e debater o tema, na busca de soluções práticas e eficientes para seus clientes.
Camila Monteiro e Antonio Pereira Neto
Referências
- AYRES, Carlos Henrique da Silva. Programas de Compliance no âmbito da Lei n. 12.846/2013: importância e principais elementos. Revista do Advogado, ano XXXIV, 2014.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Lei Anticorrupção.
- CUNHA, L. L. O Impacto do Compliance nas Relações de Trabalho. Editora Jurídica, 2019.
- FRAZÃO, Ana. Implementação de programa de compliance deve atenuar penalidades a empresas. Consultor Jurídico, 28 nov. 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-nov-28/ana-frazao-implementacao-compliance-atenuar-penas-empresas/. Acesso em: 26 set. 2025.
- GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Compliance trabalhista. Brasília: Tribunal Superior do Trabalho, 2024. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/236392/2024_goldschmidt_rodrigo_compliance_trabalhista.pdf?sequence=1&isAllowed=y
- RODRIGUES, G. C. Compliance Trabalhista: Aspectos e Desafios. Revista de Direito do Trabalho, 2021.