“Festa estranha com gente esquisita”: falta de consenso na ANEEL adia a regulação dos SAEs

O processo regulatório instaurado pela Consulta Pública nº 39/2023¹ tem por objetivo a definição do marco regulatório aplicável aos Sistemas de Armazenamento de Energia (SAEs), incluindo os denominados SAEs Autônomos conectados diretamente à rede de distribuição para absorção da energia elétrica e posterior injeção na rede. O fechamento da segunda fase dessa consulta pública foi submetida à deliberação da Diretoria da ANEEL em 12 de agosto de 2025 e esteve perto de uma conclusão. Contudo, a matéria acabou sem desfecho por pedido de vista formulado pelo Diretor Fernando Mosna.

No cerne do impasse está a aplicação do princípio da causalidade de custos e do princípio do equilíbrio econômico-financeiro na definição das tarifas de uso dos sistemas de transmissão (TUST) e distribuição (TUSD). O voto do relator, Diretor Daniel Danna, amparado em precedentes regulatórios e nas premissas expostas na Nota Técnica nº 13/2025², defendeu que o SAE Autônomo, ao operar ora como carga, ora como geração, realiza usos distintos da infraestrutura elétrica, devendo, portanto, contratar e remunerar cada modalidade de uso separadamente, a exemplo do que ocorre há décadas com agentes de autoprodução e produtores independentes de energia. Durante essa Reunião Ordinária da Diretoria, o Diretor-Geral Sandoval Feitosa ressaltou, ainda, a inexistência de duplicidade tarifária, uma vez que a cobrança se dá por serviços distintos e complementares.

Por sua vez, a posição divergente suscitada pelo Diretor Fernando Mosna pautou-se na necessidade de reavaliar se a aplicação cumulativa das tarifas de uso, na condição de carga e de geração, não resultaria, na prática, em onerosidade excessiva e desproporcional, capaz de inviabilizar o desenvolvimento dos SAEs Autônomos, especialmente à luz de sua potencial contribuição sistêmica na gestão de oferta e demanda e na integração às fontes renováveis. Defendeu-se, nesse sentido, a possibilidade de tratamento tarifário diferenciado ou transição regulatória, considerando experiências internacionais e evitando distorções frente ao princípio da neutralidade tecnológica.

O principal argumento utilizado por Mosna foi o fato de que estamos diante de “uma festa estranha com gente esquisita”, não podendo ser utilizado a regra atual para um novo personagem do setor elétrico, devendo a ANEEL aproveitar o momento para avaliar soluções regulatórias mais equilibradas e alinhadas às especificidades tecnológicas dos SAEs Autônomos. Todavia, os demais diretores entenderam que o tema deveria ser tratado junto à modernização das tarifas, matéria que foi incluída na agenda regulatória de 2027-2028.

Assim, diante da ausência de consenso e da complexidade técnica envolvida, o processo permanecerá suspenso até nova deliberação pela agência reguladora, a qual ainda não possui nova data para acontecer, apesar da urgência na regulamentação do tema.

Apesar do adiamento, é salutar destacarmos que houve avanço com a última reunião, visto que todos os diretores convergiram com o voto do diretor-relator propondo enquadrar as baterias como Produtores Independentes de Energia (PIE), com flexibilização de até 30% na contratação de uso da rede para projetos colocalizados com geradores e de 5% para empreendimentos existentes.

Time de Energia do TAGD Advogados se encontra à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema. 


¹ Disponível aqui.

² Disponível aqui.

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